A resposta para esta pergunta não é tão simples e pode levar em conta vários fatores. A agrometeorologista da Rural Clima, Ludmila Camparotto, listou alguns pontos importantes a serem analisados: o El Niño, o aquecimento do Atlântico Tropical Norte e os bloqueios atmosféricos.
O El Niño é o fenômeno que representa o aquecimento das águas do Oceano Pacífico, e este ano “gerou uma seca intensa no norte do país, contribuiu para a elevação das temperaturas e mudou os padrões de chuva”. Além disso, as águas do Oceano Atlântico Tropical Norte estão mais aquecidas do que o normal nos últimos meses, o que também alterou as previsões de chuvas pelo país e prolongou a seca. Já os bloqueios atmosféricos impediram que as frentes frias avançassem, deixando o volume de chuva abaixo da média em quase todo o mapa, com exceção do Rio Grande do Sul. Ela explica que “o aquecimento na região tropical norte do Atlântico é positivo para a evaporação e é esse vapor que é transportado para a região amazônica. Lá o ar é condensado resultando na umidade necessária para chuvas. Porém, quando este aquecimento é muito alto essa evaporação é perdida e a soma destes fenômenos intensificou a seca do ano passado para cá”.
O QUE MUDA COM A CHEGADA DA LA NIÑA?
O fato da safra 2023/24 ter sido influenciada pelo El Niño fez com que o volume de água em toda região centro-norte do Brasil cortasse mais cedo, ou seja, as chuvas foram registradas até na primeira quinzena de abril.
A chegada da La Niña no começo de outubro sinaliza uma condição de neutralidade e deve concentrar um volume maior de chuva sobre o sul do país. Esta barreira atmosférica mais intensa sobre a faixa central do mapa tem impedido o avanço de frentes frias pelas regiões sudeste e centro-oeste e a previsão é de que os bons volumes de água aconteçam tardiamente, em meados de outubro.
A SECA PODE AFETAR A SAFRA BASILEIRA?
Possivelmente sim. As regiões norte, centro-oeste e noroeste paulista contabilizam meses sem chuva e “a abrangência desta seca extrema talvez nunca tinha sido observada. É uma das mais severas dos últimos 30 anos”, afirma a agrometeorologista.
Ela explica que o estresse hídrico prolongado pode comprometer várias culturas, entre elas o café e a cana-de-açúcar. “No café já tivemos abertura de floradas em São Paulo e Minas Gerais e a falta de chuva por mais de 140 dias pode prejudicar o desenvolvimento da planta e quebra da próxima safra”. A falta de água também vai comprometer o desenvolvimento da cana-de-açúcar que será colhida no segundo semestre. “Além disso, os focos de incêndio atingiram pelo menos 230 mil hectares de lavouras, 132 mil de áreas que ainda seriam colhidas”, afirma.
COMO PENSAR NO PLANEJAMENTO AGRÍCOLA?
Como muitas lavouras estão extremamente secas ou foram tomadas pelo fogo, o setor agrícola deve ter atenção máxima para alguns detalhes que podem colaborar com a retomada do cultivo ou colheita. A agrometeorologista afirma que é preciso pensar a curto, médio e longo prazo já que os prejuízos são grandes. “A curto prazo é preciso focar principalmente no manejo de fogo próximo às áreas de lavouras e agrícolas. Outro ponto importantíssimo, para aqueles produtores que tiverem acesso, é a irrigação de salvamento já que temos plantas em pontos de murcha permanente. Já pensando a longo prazo é preciso cuidar da nutrição da planta com o manejo de solo, incluindo uma adubação bem feita e perfil de solo* além de acompanhamento meteorológico para saber o momento exato ou não de plantio”.
*Perfil de solo é formado por uma sequência de camadas horizontais, chamadas horizontes. Esses horizontes iniciam-se na camada superficial do solo até chegar à camada de rocha. E o conjunto desses horizontes constitui o perfil do solo. O equilíbrio adequado dos atributos químicos, físicos e biológicos do solo servem para que as plantas utilizem eficientemente os recursos disponíveis (água, luz e nutrientes). Dessa forma, elas expressam seu máximo potencial produtivo.