A safra de grãos 2023/24 está chegando ao fim e, para grande parte dos produtores, não deixará saudade. As perdas na safra de soja, milho verão, feijão, entre outras culturas, foram enormes para inúmeros produtores de todo o país. O culpado tem nome: El Niño. Apesar de não ter atingido a intensidade de um Super El Niño, uma vez que o pico de anomalia da temperatura das águas equatoriais do Oceano Pacífico atingiu 2,0°C entre novembro e dezembro de 2023. Para ser considerado um El Niño de fortíssima intensidade (Super El Niño), os valores de anomalia devem ultrapassar a marca de 2,3°C. No entanto, os estragos na produção nacional de grãos foram de um Super El Niño, especialmente nas regiões produtoras do cerrado. Mato Grosso foi o estado que apresentou os maiores percentuais de quebra de produtividade, atingindo valores superiores a 25% na soja.

Contudo, o que mais afetou a produção não foi única e exclusivamente as chuvas irregulares ou até mesmo a ausência delas em alguns períodos. É consenso entre os produtores e o mercado que o vilão mesmo na produção foram as altíssimas temperaturas registradas ao longo de todo o ciclo das culturas. Houve registros de temperaturas extremas nos meses de setembro, outubro, novembro e março. Em novembro, houve recordes de temperatura máxima dos últimos 50 anos ou até mesmo, em alguns lugares, da história.

E é fato que essa combinação de temperaturas máximas associada a baixos índices pluviométricos é desastrosa para a planta. A planta paralisa completamente suas atividades metabólicas, perde eficiência na conversão de fotoassimilados e, consequentemente, tem baixo rendimento na produção de grãos.

Outro ponto que nos chamou muita atenção neste último ano foi a seca da Amazônia associada às chuvas extremamente irregulares na faixa central do Brasil. A Bacia Amazônica desde a década de 1980 não apresentava índices tão baixos de umidade e níveis de água nos principais rios. Afetou não só a navegabilidade dos rios, mas também a formação dos corredores de umidade, alterando completamente o regime de chuvas ao longo de toda a primavera sobre as regiões produtoras do Centro-oeste, Norte, Sudeste e do MATOPIBA. As chuvas só retornaram a essas regiões no final do ano e ao longo do verão/24, quando os níveis das águas dos rios e de toda a Bacia Amazônica se elevaram. Um dos motivos que levaram a essa seca histórica na Amazônia foi o forte aquecimento ao longo do outono/inverno de 2023 na região do Niño 1+2 – região leste do Oceano Pacífico que banha o litoral do Peru e Equador. Essa região registrou valores de anomalia de temperatura próximos a -3,5°C.

Porém, apesar de todas essas intempéries climáticas e prejuízos à produção de grãos, especialmente na soja, o Brasil está colhendo uma safra próxima dos 150 milhões de toneladas. No entanto, existe muita discrepância entre os órgãos oficiais de estimativa de safra, pois a CONAB divulga em seus relatórios uma safra de soja de 146 milhões de toneladas. A USDA, por sua vez, prevê uma safra de 155 milhões de toneladas, 9 milhões a mais de soja. Algumas empresas privadas divulgam valores de 145 a 155 milhões de toneladas. Mas afinal, quem está certo? Difícil saber, mas o mercado está operando com cotações muito mais próximas dos 155 do que dos 145 milhões de toneladas, até por conta da produção de mais de 50 milhões de toneladas de soja que a Argentina irá produzir este ano.

Agora, com a safra de soja praticamente finalizada na América do Sul, resta-nos olhar para as lavouras de 2ª safra, como milho, algodão, feijão, entre outras. A perspectiva é que as chuvas nas principais regiões produtoras do Paraná, Sudeste, Centro-oeste e do MaToPiBa+PA se estendam até o final de abril. Isso poderá sinalizar uma safra razoavelmente boa no Brasil, principalmente nas regiões produtoras do MT, GO, RO, TO, MA, BA e PI, visto que no MT e GO, 80% das lavouras de milho foram semeadas até o final de fevereiro. E como há previsão de chuvas regulares até o final de abril, essas serão suficientes para conferir condições satisfatórias ao desenvolvimento das lavouras.

O grande problema para as lavouras de 2ª safra, em especial para o milho, está no MS e PR, uma vez que o mês de março foi marcado por chuvas muito irregulares e temperaturas altas que coincidiram justamente com o período de pendoamento da planta, afetando drasticamente a polinização e consequentemente os índices de produtividade. Muitos produtores do noroeste e norte do PR e sul do MS já estão aproveitando as chuvas de meados de abril para gradear as áreas de milho que estão com mais de 85% de quebra e preparando-as para o plantio de trigo.

Com a previsão de fim do El Niño agora no outono e a formação da La Niña ao longo do inverno e primavera, a perspectiva é que os próximos 120 dias sejam marcados por chuvas mais frequentes e temperaturas mais amenas em todo o sul do Brasil, o que contribuirá bastante para a safra de inverno, no caso, o trigo.

Mesmo com essas perdas no milho no PR e MS, a perspectiva, segundo vários analistas e a CONAB, é que o Brasil venha a colher uma safra próxima dos 90 milhões de toneladas este ano.

Com a perspectiva do fim do El Niño e a volta da La Niña para o 2° semestre de 2024, toda a atenção agora volta para a safra de grãos dos EUA. Já que existe a lenda de que anos de La Niña são prejudiciais à safra norte-americana. Porém, vale lembrar que as safras 2020/21, 2021/22 e a safra 2022/23 foram todas sob influência da La Niña e mesmo assim, os EUA tiveram produções relativamente boas tanto de soja quanto de milho. Como a previsão é que a La Niña só venha a se formar ao longo do trimestre julho/agosto/setembro, a previsão é que o verão nos EUA seja marcado por chuvas dentro da média e, portanto, boas condições para o desenvolvimento de suas lavouras. No entanto, é fato também que mesmo os modelos de previsão climática mostrando chuvas dentro da média, o mercado climático está bem ativo este ano e qualquer sinal de ausência de chuvas poderá acarretar uma grande volatilidade nos preços dessas commodities.

Assim, quem estiver de olho nas condições climáticas e antenado com informações realmente fidedignas, poderá “surfar” nessas ondas de oportunidades. Portanto, fiquem atentos às previsões aqui na Rural Clima.